quarta-feira, 27 de junho de 2012

Seminário 5 - “Estágio probatório” em Porto Ferreira - 1964

 Para lembrar – terminei o texto “Seminário 4” com a minha expulsão do Seminário por meio de uma Carta enviada ao Bispo de Campinas e encaminhada ao Mons.Bruno, que me chamou e ...

Expulso do Ipiranga – E agora, o que vou falar lá em casa? - A mulher de areia

O que explicar para minha família se nem eu sabia bem o porque da minha expulsão. Papai se conformou rapidamente mas minha mãe ficou com um grilo na cabeça. Eu tentava explicar que havia participado de um movimento para mudar alguns regulamentos e ela não entendia. Um dia ela achou que tinha descoberto a razão. Quando eu levei as minhas coisas para Amparo, ao desfazer as malas, topei com umas fotos de um passeio na praia. Fomos de carro ... de quem? Não faço idéia. Quem estava? Sei que no nosso grupo havia 2 caras com alguma habilidade para desenhar: o Bita (padre, Teixeira, de São Paulo) e o Braz (que mais tarde se tornou Gerente de Treinamento na TAM). Pois bem, eles resolveram esculpir uma mulher nua, na areia da praia, ao lado do carro. Deitada, de costas. E alguém tirou uma foto. E minha mãe viu a foto e achou que teria sido a causa da minha expulsão!!!


Não achei a foto mostrando a mulher esculpida na areia, acho que joguei fora para evitar más interpretações se alguém visse a foto, como ocorreu com minha mãe.

Porto Ferreira

Sei que eu já havia estado em Porto Ferreira, com um grupo de colegas. Lembro que passamos um dia na casa dos pais do Pe. Vanim ... e jogamos baralho o tempo todo, só interrompendo para o almoço ...

Pe. Pavesi – grande amigo

Não sei o que o Mons. Bruno combinou com ele sobre meu “estágio probatório”, e nem qual seria o papel dele com relação a mim. E nunca falamos disso. Fui muito bem recebido. Tornei-me um auxiliar paroquial “de luxo”. Coordenava missas, dava aulas de religião nos colégios (tentava, pelo menos), fazia a “Hora da Ave Maria - uma pequena homilia às 6 horas da tarde, pela Rádio Primavera ‘and so on’. Pensando bem, fui mais um bom companheiro para ele do que um ardoroso seminarista em missão pastoral.

31 de março ou 1º de abril - revolução ou golpe

Fomos pegos em Itanhaem: terminada a Semana Santa, fui até Campinas. No Seminário cruzei com um grupo que ia para Itanhaém na Kombi do Seminário e fui junto. Eram aqueles dias complicados em que os sargentos se rebelaram contra seus superiores em discursos entusiasmados, em que João Goulart periclitava, Brizola se encastelava em Porto Alegre, enfim, a noite do golpe militar. De rádio em punho, acompanhava o movimento. Começaram os avisos “os postos de gasolina vão fechar”. Aí, demos no pé. Subimos a serra bem depressa. Na Rodovia Anhanguera cruzamos com caminhões do exército deslocando tropas e equipamentos de batalha. Muitos deles, canhões e carros de combate quebrados pelo caminho. ‘Credo in cruiz!’

Pe. Pavesi comunista? Lá vamos nós ...

...para a Delegacia local. Como o foram muitos padres nos tempos da dita cuja revolução. Fui junto, é claro, apoio moral. Se preciso fosse, para levar cigarros para ele (nós fumávamos desbragadamente!!!). Mas o Delegado até que estava meio sem jeito, sem saber exatamente o que perguntar. E nada aconteceu.

Pe. Pavesi É comunista”

Sessão especial da Câmara Municipal (irradiada pela Rádio Primavera) para pedir ao bispo que substituísse o Pe. Pavesi. E nós, na Casa Paroquial, ouvindo as barbaridades: “Eu sou católico porque eu vou na procissão ... eu fui na procissão de Sexta-Feira Santa e ouvi o Pe. Pavesi falar no microfone ‘Vamos rezar um Padre Nosso pelos Operários’. Taí!!! É comunista!!!” Os depoimentos foram nesse nível. Conclusão: não sei se por causa disso ou por ocasião disso, D. Paulo de Tarso Campos “promoveu” o Pe. Pavesi para Cônego.

O Padre fugiu”

Estávamos lá saboreando um frangos numa festa, à noite, na fazenda da família Ferrari, quando chegou o “Nego” (sacristão) todo esbaforido ... e tirando ‘sarro’ (como sempre) ... “ah! ainda bem que estão aqui pois corre um boato na cidade que o padre fugiu para não ser preso ...” (Por falar em frango, aquele “frangasco” me deu uma diarréia brava, estava que era só gordura)

E o Ademar de Barros na TV Tupi, Canal 4 – belo espetáculo

Naqueles dias, o governador Ademar de Barros estava na mira dos militares. Para se defender, foi até a TV Tupi e montou um cenário: ao fundo da cena, a bandeira brasileira; na frente da bandeira, num pedestal, Nossa Senhora Aparecida. Ele, sentado atrás de uma mesa, com o terço na mão e se defendendo. Lembro que dizia: “Dizem por aí que sou rico, que nada! Tenho apenas uma fazendinha herdada de minha mãe em Poços de Caldas”.

O ano de mudanças na Igreja Católica e nossa desobediência

  • Os Padres foram desobrigados de usar a batina em público (Mons. Lisboa, de Amparo, deve ter ficado uma fera) e obrigados a usar o “clergyman” ou “colarinho romano”, com se fala hoje. MAS, após algum tempo, a desobediência foi geral. Alguém se lembra dos superiores do seminário usando o “clergyman”? Vi algumas vezes o Mons. Bruno usar quando ia às reuniões das Empresas Nardini.
  • Internet é isso: fui procurar uma imagem dessa vestimenta, na internet, e acabei topando com um site que expõe 25 razões para um padre usar o clergyman. Eu tive um colete desses que usei apenas algumas vezes. Hoje são vendidas camisas que simulam essa vestimenta. Naquele tempo, era uma espécie de colete de frente única, cobrindo o peito, e terminando com uma gola sem abas e com um colarinho branco de plástico dentro. Parecido com esse aí
  • E a grande mudança na Liturgia, que passou a ser em nosso vernáculo (“última flor do Lácio, inculta e bela”). MAS ... foi o ponto de partida de uma certa “liberalidade litúrgica” inicial que hoje está mais contida. Verifico hoje que a estrutura das missas é igual à que foi implantada em 64 e alguns recursos, como os FOLHETOS, pouco mudaram. O que mudou muito foi a parte musical, os cânticos, o acompanhamento com instrumentos, etc. e tal. E os gestos que algumas paróquias usam, elevar as mãos, bater palmas, por exemplo.

Promombó” ou “Bate-bunda” – pepino com cachaça

É um tipo de pescaria, sabia? Fomos algumas vezes pescar em ranchos à beira do Rio Mogi. É prática comum nessas ocasiões (assim como em churrascos) oferecer um tira-gosto para esperar a pesca de peixes grandes ou para manter ocupados os que não vão pescar. Além e oferecer pepino com sal e cachaça (gostoso, como moderação, é claro!), os pescadores foram buscar lambaris e mandis para fritar. Como pescar lambaris em quantidade suficiente? Na vara? Na rede? Não. No promombó. Explicando: os barcos saem perto das margens dos rios com os motores ligados em primeira marcha ou fazendo barulho (= bate-bunda no assento do barco) para assustar os peixes pequenos. Os peixes saltam da água e muitos deles caem dentro dos barcos em grande número. E dá certo.

O Juiz de Direito ‘cachaceiro’ e o Filé à Parmegiana

Às vezes o Pe. Pavesi resolvia almoçar num restaurante que havia no largo principal da cidade. Foi lá que eu comi pela primeira vez um Filé à Parmegiana, que sempre repetíamos. O mais curioso, porém, é que o Juiz de Direito também almoçava lá. Logo que ele chegava, o garçom ia até a geladeira e pegava uma garrafa de cachaça previamente gelada e levava para a mesa dele. Todos os dias. Sem rótulo. E servia em taças. Imagine os julgamentos vespertinos!

O Congresso da JAC e um seminarista em apuros

Linda morena, morena que me faz penar,
a lua cheia, que tanto brilha,
não brilha tanto quanto seu olhar.”

Pois é, lá vou eu para um congresso da JAC – Juventude Agrária Católica. No Seminário Menor de Ribeirão Preto, em Brodoski. E eis que havia um linda morena, alta, um pecado. E não é que num dos intervalos ela, sabendo que eu era seminarista, veio pedir conselhos justamente a mim, sobre seus relacionamentos afetivos. Cruzes!!! Olha, fiz tanta força para evitar que meu pênis denunciasse minha excitação que não pude conter a saída de um jato de urina ... E também devo ter utilizado a velha técnica de ajoelhar e depois sentar nos degraus da escada onde conversávamos.

Aliás, conheço um cara que se masturbou pela primeira vez aos 33 anos de idade

Eu.








segunda-feira, 25 de junho de 2012

Seminário 1 - Sorocaba


Estas são algumas lembranças bem vívidas na minha cabeça sobre o
Seminário de Sorocaba. Passei lá de 1952 a 1954. Entre os 4 seminários que
freqüentei, achei o mais ‘diferente’. Acho que seguiam algum modelo italiano.
Luiz Carlos Daólio.

2 de fevereiro de 1952: a chegada – os baús

Meninos de 10 / 11 anos, vindos da “longínqua” cidade de Campinas e
adjacências (Amparo, Pedreira, Serra Negra, etc.), descem do ônibus (ou
seria Jardineira, ônibus com motor pra fora da cabine, na frente?) e entra
pela porta principal do Seminário São Carlos Borromeu, Avenida
Eugênio Salerno, n° 100, Sorocaba. Um padre recebe e alguns jovens de
16 ou 17 anos ajudam a descer os baús do alto da jardineira. Caixas de madeirite, mais ou menos enfeitados. Malas? Não. Ali estão os itens do “enxoval” com nossas roupas
assinaladas com números. 145 foi meu primeiro número.

2 de fevereiro de 1952: a chegada – as calças curtas


O Padre assustado: “Não avisaram vocês que não poderão usar calças curtas? Então vocês vão mandar um cartinha para os pais pedindo para trazerem (o mais cedo possível) calças compridas ...”. Nem lembro se ele falou “sejam bem-vindos ...
etc ...”. Este era nosso figurino (meu irmão e eu, ao fundo o Largo da Estação, Amparo): suspensório (obrigatório) e com /sem cinto. Sapatos, tênis era apenas um tipo de jogo.





2 de fevereiro de 1952: a chegada – o “anjo”
                                                    /\                 /\                                        /\
                                                   eu            governador                        meu anjo
                                                 
1954 – Visita do Governador Lucas Nogueira Garcez. Está no centro, ao lado do Cardeal Motta e o Bispo de Sorocaba. Pátio interno.
Eu(!?) estou na terceira fila, de cima prá baixo, à esquerda, marcado com dois pontinhos negros.
Meu anjo está na primeira fila dos alunos de batina entre o senhor de terno mais escuro e o de terno mais claro, antes do de terno branco.

O Padre chamou: “Mário Donato Sampaio” e o fez “meu” anjo. Quem ensinaria as
primeiras lições sobre o seminário. Não era muito alto, meio atarracado, testa larga,
orelhas de abano. Hoje é padre e tem perfil no Facebook. Convém apresenta-lo:

2 de fevereiro de 1952: a chegada – primeira boa notícia
Antes do anjo exercer suas primeiras tarefas fomos levados ao refeitório para um
lanche. Durante o lanche ... track! track! (som de vidro estilhaçando!). Algum futuro
colega “pé-de-gancho” (eram os ruins de bola) mandou um petardo em direção às
janelas do refeitório e daí o barulho. Conclui imediatamente: “Oba, tem futebol por
aqui!!!”

2 de fevereiro de 1952: a chegada – localizando o refeitório


Parte dos fundos do
prédio de 3 andares. Em
cima, dormitórios, no
meio salas de aulas e de
estudos, no nível da rua,
seria o térreo, digamos
mas um pouco abaixo do
piso. O pé-de-gancho
que quebrou o vidro do
refeitório estava jogando
bola nessa grama atrás
de nós, na foto. Nessa
grama também brinquei
muito de marcar gol de
cabeça, um contra o
outro, após as refeições
... coisa que eu proibiria
se meus filhos quisessem
disputar cabeçadas após o almoço!!! As figuras, da esquerda para a direita: Paulinho
(tornou-se juiz de direito), Pe. Tobias Barreto de Oliveira, eu e meu irmão Clésio
(falecido). Note que nós andávamos de “terninho”, feito em casa. Era o traje do dia a
dia. A foto deve ter sido meses depois que chegamos ao seminário. Os campos de
futebol ficavam à direita da foto, em 2 níveis abaixo.

2 de fevereiro de 1952: esvaziando o baú

O anjo nos levou ao dormitório e: “Esta é sua cama. (Milagrosamente, meu baú de
roupas estava lá, ao lado da cama) ...” e por aí vai, arrumou as roupas no amarinho e
ensinou a arrumar a cama.

2 de fevereiro de 1952: a papelaria

Eu ia fazer o preparatório (=admissão). Necessidades letivas: lápis, borracha, caneta
de pena, cadernos, tinta nanquim (acho) ... e livro “Preparatório ao alcance de todos”.
Itens importantes para escrever cartas: papel de carta, envelope, selos. (! Isso mesmo).
E goma arábica. E um item ... novo para mim.

2 de fevereiro de 1952: foi quando conheci papel higiênico

Nunca havia visto tal produto. Não vou contar o que minha família usava para
finalidade semelhante.Comprávamos alguns rolos (maciez “lixa”) e conservava os
rolos na carteira de estudos. Cada um desenrolava e separava um pedaço de tamanho
variável que era carregado continuamente no bolso. As privadas não tinham papel
higiênico.
Mas, esse produto, além de cumprir com sua finalidade de higienização, tinha uma
outra inusitada:”enforcar” o estudo. Havia colegas que matavam o tempo de estudo
desenrolando o rolo, enrolando novamente, separando porções para uso posterior.
Exemplificando: se o padre que nos acompanhava nos horários de estudo obrigatório
dava bronca se pegasse lendo um livro de história, e passava sem enxergar o
coleguinha matando o estudo.
Termina aqui o primeiro dia

O retiro e o beato

Perguntei ao meu anjo: “O que a gente faz no retiro
espiritual?”. Meditar, rezar sozinho, silêncio total e
ler algum livro piedoso. “Ler o que?”. Vida de santo.
“Onde”. Na Biblioteca. Fui, um grande salão com pé direito alto, prateleiras antigas. Depois de grande
indecisão, finalmente escolhi: ‘Beato Julião Eymard’.
Pois é, encarei e li tudinho. (Santo, Fundador dos
Sacramentinos)


A chanca e a poupança do Gallo

Campinho recém inaugurado. E bota campinho nisso. Fiz mais gols de tiro de metas do
que em jogadas. Isso se deveu ao bico bem duro da chanca que foi feita sob medida por
sapateiro de Amparo. Então, vamos dar bicuda. Mais para a frente, no segundo ano,
jogando no campo dos médios consegui acertar a bunda do meu colega José Omir
Gallo. De Serra Negra. Foi assim: eu sou o beque, estou em frente ao meu gol, vejo
uma bola vindo em minha direção, preparo minha melhor rebatida e ... o Gallo se
antecipou, agarrou e eu chutei a bunda dele. Ele era meio gordinho e tinha uma
poupança meio saliente. Nem reclamou.

E o Zé Galina me ferrou – levei um castigo

Faltas disciplinares graves eram castigadas com um dia inteiro na capela. Só podia
sair para fazer necessidades ou comer. Fui castigado duas vezes, e numa delas sei
exatamente a falta grave que cometi. Toda noite, após o recreio da noite, íamos à
capela para fazer orações e ouvir a leitura de algum livro formativo. Esse colega
dormia sempre, e pescava. E sempre se escorava em mim. Um bom dia resolvi tirar o
corpo e ele desabou no genuflexório. A vizinhança riu. Quem é o culpado? Me acusei.
No dia seguinte estava lá eu na capela. Mas o pior mesmo foi pro meu colega Valdivo
(Pedreira). Não sei o que ele perpetrou para levar 30 dias na capela, e com um
agravante: só podia ficar no fundo da capela, um pequeno espaço oferecido aos leigos.
Observação: Valdivo e eu fomos fazer uma visita ao seminário, há poucos anos, e ele
dizia da revolta que sentia ao ser tratado dessa maneira, isolado como se tivesse uma
doença transmissível.


Saí cagando

Rolavam as orações da manhã e deu vontade de ir ao banheiro. Fui pedir ao ‘prefeito
dos maiores’, que ficava no último banco. Ele negou. Voltei pro meu lugar e ... a coisa
começou a querer sair e ... tomei de coragem e saí correndo, já o cocô saindo. E o
caminho até o banheiro era grande. Mas, ufa, acabou dando certo. O ‘prefeito’ não me
deu bronca.

O sermão do Pe. Chiquinho

Sim, nosso Pe. Francisco de Almeida, de Campinas. Foi num daqueles retiros de um
dia. Ele foi convidado a fazer as prédicas durante o retiro. Numa das palestras,
inventou uma históriaterrivelmente dramática (foi assim que senti) sobre um menino
que tinha dúvidas sobre sua vocação e resolveu ir embora sorrateiramente de noite,
pulando a janela do seminário para fora. Estilo fuga da prisão. Não lembro os
detalhes. Acontece que depois de ter chegado à rua começou a ver filas e filas de
pessoas tristes, cabisbaixas, caminhando lentamente. Achou estranho e foi perguntar a
uma pessoa que parecia estar organizando ou acompanhando. Essa pessoa, de olhar
profundo, sereno, parecendo um profeta explicou: “Essas pessoas estão se
encaminhando ao inferno. Elas poderiam ter sido salvas se você não tivesse fugido do
seminário e se tornado padre ...” ENTÃO O RAPAZ ACORDOU! Tinha sido apenas um
sonho. E o rapaz resolveu continuar no seminário... (juro, o Pe. Chiquinho me
enganou, a coisa parecia tão real!!! Ufa, ainda bem que era um sonho)

Futebol com calças compridas e a bicicleta

Para quem estava acostumado a jogar bola descalço ou de alpargatas lá no campinho
do Patronato em Amparo, jogar de calças compridas era um tanto estranho.
Praticamente você reservava uma calça só para jogar futebol. O mais difícil estava
reservado aos seminaristas maiores, do colegial, que já tinham ‘recebido batina’ e
viviam de batina e tinham que jogar bola de calça comprida+batina. E olhe que tinha
um cidadão baixinho, de Bragança Paulista que conseguia DAR BICICLETA, numa
boa.’ Meninos, eu vi’, como diria Gonçalves Dias!!! (o local onde guardávamos os
apetrechos do futebol eram muito fedidos)

Escalas para banhos

O futebol ‘oficial’ – campeonatos, disputas – era praticado apenas nas quintas à tarde
e no domingo. E era acompanhado do banho respectivo. Para tomar banho dos outros
dias havia escalas. E eu, por azar, costumava cair no horário entre 8 e 8:30 da manhã,
digamos, segunda, quarta e sexta. Nesse horário já havíamos participado da missa e
tomado café, esperando a primeira aula. Chuveiro quente? Nenhum. Em geral aquelas
latinhas furadas esguichavam em muitas direções. Perguntas: você obedeceu às escalas
todas ... bem, nem sempre, né. Principalmente nos dias frios.

Férias de julho de 1952 – onde ficamos - Campinas?


Em todas as férias de julho o seminário todo deslocava-se para
alguma outra cidade. Pois em 1952 nós desembarcamos em
Campinas! Acho que ficamos hospedados no Colégio Diocesano que,
se não me engano, era parede-meia com o seminário. A única
lembrança que ficou dos aposentos é esse tipo de privada.
Privada turca. Não sei como me virei na época. Você bota os dois pés no local adequado, agacha e ... operação super complicada sujeita a tombos e etc.!

Férias de julho de 1952 – Campinas - um juiz mirim

Pois eu estava assistindo um jogo de futebol dos seminaristas maiores, não devia ser
assim uma disputa séria, apenas um joguinho gostoso quando começaram algumas
discussões sobre faltas, quem fez em quem. Não é que um cara chamado Loretti, dono
de uma canhota potente, vem na minha direção e me dá um apito e pede para eu apitar
o jogo. E apitei. E eles obedeciam ao meu apito ... eu com 11 anos ... e o jogo
transcorreu calmamente até o final.

As férias de julho: em 1953 fomos a uma fazenda experimental ou escola agrícola
talvez, em Itapetininga. Sei que foram as melhores mas não sei porque ... há duas
coisas na memória, uma, o pãozinho quente extra que a gente conseguia indo direto à
padaria e aquele tipo de brincadeira assim “o general passou em revista sua tropa e
achou a falta do sargento ... Sargento não falta (levantava o sargento), quem falta é o
capitão” ... isso tudo numa boa velocidade para o lerdo perder tempo e ir pro fim da
fila. Em 1954 fomos para o seminário menor de Botucatu, mas nada sobrou na
memória.

Ajudando as Missões - meu amigo Jamil

Fazer terços e santinhos. Para ajudar as missões. Para fazer o terço: arame
apropriado, um alicate de bico pra fazer as curvas e encaixes, contas - umas frutinhas
não sei do que. A gente pegava as continhas, enfiava uma a uma no arame e depois ia
separando uma a uma, fazendo curvas, ligando uma a outra até completar um terço
completo. Consegui produzir terços alguns com alguma dificuldade.
Mas os santinhos eram obras de arte. Pegava-se um papel esbranquiçado e fazia-se
todo um rendilhado, um bordado feito com uma tesoura de bico fino, colava-se alguma
imagem de santo, fazia uns desenhos, enfim. Uma obra de arte. Tentei achar na internet
mas não consegui. Mas quem era bom nisso era meu amigo Jamil. Eu ficava olhando
com uma inveja. Esse colega, que reencontrei no Ipiranga, hoje Monsenhor, Pároco da
Catedral de Piracicaba, tornou-se reconhecido Museólogo, já foi Conselheiro do
Condephaat, enfim, é um autoridade no assunto.

O falso bordão e a Opereta

O Pe. Testa é o padre que está mais à direita na foto que já mostrei. Italiano da gema.
Gostava de correr atrás da bola de batina e tudo e depois pegava um lenço, enxugava a
testa e estava limpo. Lembro tentando explicar a mudança que o falso bordão (!)
provocou na música. Mas o extraordinário dele é que conseguia montar Operetas no
seminário. Acho que foram duas. Mas era a parte musical das operetas. Uma pequena
orquestra, um coral e solistas. Coisa linda! Qual seminário no Brasil conseguiria esse
feito?
Cultura inútil: “O gymel era a utilização do intervalo de terça e o falso bordão era um gymel aoqual se acrescentou um intervalo de sexta ...”. Bem simples, não é mesmo?


Agora percebo uma coisa: em Sorocaba não cantávamos o gregoriano. A não ser,
talvez, o “tantum ergo” ou “salve Regina”. Havia um coral cujo objetivo era atuar nas
missas solenes da Catedral. Cantei uns tempos no coral e o hino que mais permitia
soltar a garganta era cantado na entrada do Bispo: “Ecce Sacerdos Magnus”. A
missas eram todas polifônicas, 4 vozes. Eu era contralto. Lembro que tivemos muito
problema para cantar as missas do Palestrina.

Os jogos perigosos

O Garrafão e o Taco. Jogos de curta temporada. Mal e mal começavam e os padres
proibiam. Por que? O Garrafão era violento. Ou você estava no grupo que batia
(usava-se cinta de couro) ou no grupo que apanhava. Na Internet há descrições dessa
maluquice. Com o Taco era diferente. Muita gente conhece por “betis”. O problema
era o seguinte: sem saber como ou porque, um belo dia um cara aparecia com dois
tacos e armava o primeiro jogo. No campo dos médios. Nos dias seguintes já eram 4 ou
mais grupos ocupando espaços contíguos. Perigo imediato. E a regra tinha um
complicador muito perigoso: o rebatedor tanto podia devolver a bola ou deixar passar
para trás da casinha e tacar para trás, e conseguir um número de voltas bem grande. E
logo, logo, um rebatedor afoito acertava a testa do cara que ficava atrás. No dia
seguinte os padres mandavam parar com a brincadeira.

O cardápio semanal

Acho que o cardápio semanal do almoço era fixo. Lembro de 2 menus. O pior era no
sábado, farofa com feijão e arroz. O melhor era na 5ª feira, uma maçaroca de
mandioca com carne, aquilo caia firme no estomago, dava aquela sensação de uma
comida forte. E era gostosa essa maçaroca. Também ...

Preposições latinas em versos

No 1° ano, o Pe. Vallini ensinava latim. A parte da morfologia foi uma beleza. Até hoje
sei todas as preposições latinas pois ele nos deu em forma te verso. Vejamos:
PREPOSIÇÕES QUE REGEM ACUSATIVO
Ante, apud, ad, adversum,
Circum, circa, citra, cis,
Erga, contra, inter, extra,
Infra, intra, juxta, ob,
Super, penes, post, preter
Prope, propter, per, secundum,
Supra, versus, ultra, trans.
PREPOSIÇÕES QUE REGEM ABLATIVO
A, ab, abs, (e) de,
Coram, clam, cum, ex, (e) de,
Tenus, sine, pro (e) pre.
PREPOSIÇÕES QUE REGEM OS DOIS CASOS
In, sub, super, subter.

Meu caderno de Geografia – 1° ano – 1953

Pe. Aldo Vanucchi, recém chegado de Roma. Vejam minha relíquia, um caderno onde
passei a limpo as aulas ditadas por ele no inovador estilo pedagógico de pergunta /
resposta. Tentei botar em prática as aulas de caligrafia mas o resultado não foi dos
melhores.

E, para fechar com chave de ouro, meu Histórico Escolar



domingo, 3 de junho de 2012

Seminário 3 - Aparecida do Norte


1959 a 1961 – Seminário Central de Filosofia de Aparecida do Norte. 3 anos de Filosofia. Foi o seminário mais interessante. Começo com pequenas lembranças, sem ordem cronológica. No final, uma análise mais crítica.
Luiz Carlos Daólio.

O Pe. Tinoco e a “mola da vida”

Estávamos almoçando. Era uma discussão sobre algum assunto talvez referente ao sentido da vida, ou sobre o que motiva as pessoas, sei lá. A certa altura o Tinoco, com certo sorriso safadinho, pontificou de forma lapidar e definitiva: “A mola propulsora da vida está um palmo abaixo do umbigo”.

Comer gato por lebre

Havia uma criação de lebres muito produtiva. De vez em quando matavam uma boa quantidade delas e serviam num almoço. Certo dia eu ouvi um cochicho de que iriam matar um gato (depois de limpo é parecido com lebre) e iriam pedir para as irmãs que o preparassem e arrumariam uma desculpa para as irmãs não desconfiarem. E eu fiquei de olho. Logo que uma irmã apareceu com uma travessa com a suposta lebre, levantei rapidamente, peguei uma coxinha para mim e comi. A carne nada devia à carne de uma lebre. Foi a única vez que experimentei essa iguaria. (Depois disso enguli muitos sapos. Figuradamente, claro).

O chá gelado no café da tarde

Até hoje sinto o gosto do preciso líquido descendo pela goela. Acontece que serviam um chá à tarde, após a gente praticar esporte. Um belo dia algum colega bastante suado pediu às irmãs um pouco de gelo. Ah, por que. Todo mundo começou a pedir gelo. Mas era muito bom. Depois de jogar bola, tomar banho, um chá gelado descia como uma bênção para o estômago. Mas a brincadeira não durou muito e as irmãs logo pararam de fornecer gelo.

O assalto ao acampamento dos Escoteiros

Com certeza o Claudinê Pessoto foi um dos organizadores. Quase toda quinta-feira nós saíamos em turmas para algum lugar, para nadar, fumar escondido, beber algum vinho barato, etc. e tal. Havia um grupo que estudava e levava com seriedade o Escotismo, liderado pelo José Cláudio. Saiam para acampar mesmo. Numa certa vez pediram autorização para fazer acampamento durante a noite de quarta para quinta. As irmãs prepararam panelas cheias de comida e eles foram acampar. Mas eis que eu comecei a ouvir uns buchichos de que iriam assaltar o acampamento dos escoteiros. Dito e feito. Foram de madrugada e roubaram toda a comida do acampamento. Foi uma vergonha total para os escoteiros que não conseguiram vigiar corretamente.

Uma bicuda certeira num rato

No dormitório. Preparando para deitar. Um alvoroço. Gente correndo numa direção. Batidas e pancadas. Vozerio. Um rato. Eu, meio lerdo como sempre, fui dar uma olhada no que estava acontecendo e eis que o rato vem correndo na minha direção. Não titubeei. Dei-lhe uma bicuda tão certeira que ele morreu na hora.

As eleições e a quadra de basquete

Campanha para prefeito. Os padres convidaram os candidatos a falar sobre sues projetos quando eleitos. As famosas promessas eleitorais. Nós constituíamos um eleitorado respeitável. Todos nós transferimos nossos títulos de eleitor para Aparecida. Imaginem o peso de 150 eleitores numa cidade pequena como Aparecida. Foi lá que votei uma única e última vez num certo Jânio Quadros para Presidente. Pois bem, fizemos um acordo com um dos candidatos que, se ele fornecesse todo o material necessário para fazer uma quadra de basquete, nós construiríamos a quadra, orientados pelo pedreiro da casa (seu Waldemar?). E foi o que aconteceu. Ele comprou nossos votos com areia, cimento, cal, brita, etc. E na apuração dos votos a Rádio Aparecida: “Votos da urna do Seminário, tantos votos para tal candidato”. Pois, ao transferirmos os votos juntos, nós ficamos praticamente numa urna só. (Que atire a primeira pedra quem nunca foi subornado)

Sessões de cinema, na cidade, só para nós 

Quando o Pe. Expedito, Ministro de Disciplina, aparecia no refeitório, pedia silêncio, esfregava as mãos de satisfação e apresentava um sorriso maroto, lá vinha a boa notícia: “Está passando um filme bom na cidade e nós podemos ir assistir hoje à tarde”. Beleza. O cinema local abria suas portas para sessões especiais só para nós.
(Cá entre nós: eu comecei a fazer parte do grupo de cinema; porém, nosso grupo, comandado pelo Ernani, de Sorocaba, não tinha nenhuma condição de programar filmes. Era obra do Pe. Expedito. Nossa atividade era fazer um jornal mural com artigos sobre cinema, estudar cinema, falar de filmes que estavam chegando ao Brasil, orientações da igreja sobre o cinema. No terceiro ano eu comandei o grupo e organizei um bom arquivo. Fabriquei até slides com pedaços de filmes que conseguia no cinema da cidade. Usei esses slides para dar palestras sobre cinema e mostrar algumas técnicas de filmagem tais como “plano americano”,”plongée”, por exemplo. Alguns colegas se lembram de um cursinho que dei no Seminário de Campinas). 

Um passeio memorável


Dei na idéia de organizar um passeio até o Parque Nacional de Itatiaia. Convidei várias pessoas. De pé, esquerda para direita: Zé Bento, ?, Sigmar Malvezzi, “Dito Furado”, (Pe.) José Boteon, Eu, (Pe.) José Júlio. Agachados: Claudinê Pessoto, Faur, Décio Maróstica, ?, ?, Mauro. O Celso Ming também estava, foi ele que tirou a foto. Alugamos um micro-ônibus bem precário. Durante a viagem a gente não podia brincar nem se deslocar porque o micro-ônibus começava a dançar, como se estivesse com os pneus trazeiros murchos. É que, ao invés de 4 pneus trazeiros, o micro-ônibus só tinha 2. E quase que um guarda acaba com nossa festa e o motorista teve que dar uma „laranja‟ pra seguir viagem. O passeio foi um sucesso.

Um ex-futuro campeão olímpico



 Havia olimpíadas. Disputa entre as 3 classes. Várias categorias. Corridas rápidas, corrida longa, saltos de altura, salto triplo, salto com vara. Minha participação foi no salto em altura e no salto à distância. Desempenho: sofrível. Eis o ex-futuro campeão saltando utilizando sua técnica especial de barriga para baixo. Mas o joelho dobrado me prejudicava. Não conseguia corrigir.

Levamos um vareio de bola

Uma idéia ruim dentro de uma idéia boa. O seminário todo foi visitar a Escola de Especialistas da Aeronáutica de Guaratinguetá. Até aí tudo bem, uma visita interessante. Porém alguém teve a idéia de melhorar o congraçamento por meio do esporte. “Vamos disputar no futebol e no basquete”. No futebol nós tínhamos alguns craques internos: Barizon, por exemplo. Mas nosso campo era de pequenas dimensões. E aí caímos num campo de tamanho oficial e corremos atrás da bola. Os caras fisicamente eram bem superiores a nós. Um baile. No basquete, então, piorou. Fiz parte do nosso time. Fomos batidos inapelavelmente. Nem sei se conseguimos marcar algum ponto. Vexame total.

Fuzaro (Tilim) e eu: sucesso no show-business 

Não sei quem teve a idéia de realizar um espetáculo para o público de Aparecida do Norte. Num salão da Rádio Aparecida, acho. O organizador do José Cláudio, de Lins, sempre cheio de idéias. Entre as atrações, Fuzaro e eu resolvemos contribuir com uma dublagem. Escolhemos uma música do Trio Los Panchos, ou do Trio Irakitan talvez. Eu imitava tocar violão e „cantar‟. O Fuzaro acho que só „cantava‟. Executamos o combinado. Fracos aplausos. Nem sei se conseguimos tapear o auditório. O bom dessa história é que consegui entrar na discoteca da Rádio Aparecida e pedir para selecionar uma música para dublar. Deixaram que eu levasse o LP para ensaiar e tocar no dia da apresentação. Aí consegui passe livre na discoteca da Rádio Aparecida. Ia lá, pegava discos e levava para a gente ouvir na sala de músicas do seminário. Minha maior lembrança é de um disco da cantora folclórica Vanja Orico, que pouca gente conhece.

Footing e meu amigo Ildefonso


Havia uma prática no Seminário de Aparecida, no recreio após o jantar, de caminhar pra lá e pra cá, conversando. Grupos de dois ou mais. Uma espécide de “footing”. No Seminário do Ipiranga a prática ainda era mais forte e havia grupos de uns 10 seminaristas, uns andando de frente e outros de costas, e invertiam os papéis quando chegavam ao final da „rua‟. Lembro-me de boas conversas com meu amigo Ildefonso nos recreios depois do jantar. O Ildefonso era meu parceiro favorito no basquete, fazíamos tabelinhas e ninguém conseguia parar. Na foto, o Ildefonso está lançando a bola ao cesto e eu, logo atrás, esperando o rebote. Ele tornou-se padre pela Diocese de São Paulo e teve atuação destacada como Mestre de Liturgia nas missas celebradas pelo Papa João Paulo II em São Paulo.

“L‟amore fa passare il tempo, il tempo fa passare l‟amore” 

Havia uma biblioteca com bons romances. Li muito José de Alencar, Machado de Assis. Mas um livro me provocou reações: “O Cardeal”. É a história de um padre boa pinta, americano, que acompanha seu Cardeal a Roma para a eleição do novo papa. Durante a viagem de navio rola certa intimidade com uma atriz de cinema. E ele “balança” em sua vocação. A frase acima estava estampada num cinzeiro do navio. Confesso que certos trechos me fizeram “arder em chamas” proibidas!

Cuidado com as primas

Palestra do Diretor Espiritual de preparação para as férias de fim de ano. Acho que esse padre nunca encarava as pessoas, sempre de olhas baixos. A inspiração era São Luís Gonzaga. E nós, já bastante sarcásticos, comentávamos que São Luís não olhava nem para as pernas das mesas!

As conversas noturnas e o Rádio de Galena



Íamos para o dormitório bem cedo, “com as galinhas”, como diz o dito popular. E havia um grupinho que gostava de ficar conversando, fumando, numa parte mais afastada do último andar. Alguns até se arriscavam sentando nas janelas amplas (nessa área as janelas eram apenas buracos, que não tinham vidros). Mas havia também o pessoal do Rádio de Galena. Eu não tive. Lembro-me que o Newton Aquiles Von Zubem, meu companheiro de classe, tinha um desses. E ouvia-se perfeitamente a Rádio Aparecida. No segundo ou terceiro ano, convenci meus pais a comprar um radinho de pilha. E passei a ouvir música ou jogos transmitidos pela Rádio de Taubaté.

FALANDO SÉRIO

O curso de Filosofia

Fraquinho, fraquinho. Os livros eram em latim. Lembro de 3 deles: Crítica, Metafísica e Cosmologia. Este último de um latim difícil, complicado. Havia um livrinho em português de Introdução à Filosofia. Em História da Filosofia até comprei um livro em Francês. Professores? Fracos. Ficavam sentados, fazendo comentários sob alguns aspectos.
Era uma filosofia Tomista, apologética, de defesa da Teologia. Dizia-se que a filosofia era “ancilla theologiae”. Serva ou escrava da Teologia. Era voltada para preparar os padres a defender a fé. Lembremo-nos que era tempo da apologética, a defesa da fé. Cheguei a ler e possuir um grosso volume de apologética do Reitor da PUC de Campinas. Não me lembro o nome desse Reitor.
Exemplo: na Cosmologia lembro-me de um tal de “batybius haechelli”. Haeckel defendia a idéia de que um minúsculo ser das profundezas dos mares (“batys”+”bios” em grego significa “vida na profundidade”) provava que havia “geração espontânea”, uma tese dos Evolucionistas. E a Teoria da Evolução sempre trouxe pedrinhas nos sapatos dos que acreditam na criação do mundo segundo a Bíblia. Mais tarde o próprio Haeckel aceitou que tinha cometido um erro e se retratou (sei disso porque pesquisei na Internet!). E o professor caprichou na argumentação contra a geração espontânea.
Hoje, fico pensando: onde estavam os filósofos atuais, por exemplo, um tal de Paul Ricoeur? Só vim a conhecer alguns filósofos contemporâneos quando entrei no mestrado de Filosofia da Educação, na PUC-SP.
Acho que deveria haver professores que soubessem trazer uma apanhado consistente dos grandes movimentos ocorridos pós idade média, ou seja: (a) a revolução coperniana e a cosmologia recente, (b) a Teoria da Evolução + arqueologia, (c) a Teoria Freudiana e o mundo interior.
Como é que já se conheciam esqueletos de Dinos e outros bichos e nunca ouvimos uma palavra sobre isso e as implicações sobre a leitura e interpretação da Bíblia?

A espiritualidade

Curioso, não consigo me lembrar da capela desse seminário. Está escondido em algum arquivo que não consigo acessar. Como foram os retiros espirituais? Alguma pregação me marcou? Nada.
Lembro, sim, que no mês de maio, mês de Maria, rezávamos o terço à noite na gruta que ficava perto da horta e uma chusma de pernilongos nos atacava, nas 31 noites!
E acho que é só.


Para ver 58 fotos acesse o álbum dos ex-SIC - Ecos de Aparecida,
clicando sobre o link abaixo





Seminário 4 - Ipiranga


1962 e 1963 – Seminário Central de Teologia do Ipiranga. 2 anos apenas? Mas o curso de Teologia não era de 4 anos? Por que só 2 anos? Veja mais adiante a resposta. Eu diria que foi o Seminário mais “esquisito”, devido a algumas regras incompreensíveis, dado que nós já éramos razoavelmente adultos e não precisávamos de algumas dessas regras. Um grupo chegou até a propor mudanças, e ...
Luiz Carlos Daólio.

“Pannis cum buccelato”

Uma quinta-feira por mês havia retiro. Os horários e atividades do dia eram descritas por meio de um quadro de avisos, a cargo do Ministro de Disciplina, no caso, o Monsenhor Ulhoa. Pois não é que, num desses avisos, apareceu: 10 horas – Pannis cum buccelato. Era o cardápio do lanche das 10 horas: “Pão com mortadela”. Acho que ele quis fazer uma graça. Ou não?

Por falar no Mons. Ulhoa 

Ganhei algum dinheiro dele ao datilografar os rascunhos de um livro que ele queria publicar, em latim, é claro(!). Chamava-se “De Ecclesia”. Acho que não foi publicado. Mas valeu para dar um descanso para meus pais, isto é, não precisava pedir dinheiro em casa.

Por falar no Mons. Ulhoa – “Moro em Jaçanã”


Não tem nada a ver com a famosa música do Adoniram. Tem a ver com o bairro Jaçanã, com a história de que “o mundo é pequeno”, com os Irmãos Cirelli e seus parentes e com uma regra incrível ... Nas quintas-feiras, à tarde, podíamos sair para a cidade. Pois bem, havia uma regra clara: “não se pode visitar parentes”. Por que? Não sei. Você podia visitar museus, ir ao cinema, freqüentar certas casas não muito “católicas” (desde que não fosse surpreendido). Pois não é que esses irmãos Cirella, se não me engano, sentiram saudades de sua irmã, moradora em Jaçanã, e resolveram fazer-lhe uma visita. Mas não é que, por um incrível azar, foram surpreendidos pelo Mons. Ulhoa que, não sabemos por que cargas d’água, andava por aquelas redondezas. Levaram bronca, é claro. E todo mundo soube.

Os irmãos Cirelli e a máquina de escrever


Eles possuíam u’a máquina de escrever, Remington Rand, portátil. Pois entabulei um papo com eles e adquiri a dita cuja por $ 25,00 (o que mesmo?). Até hoje tenho a dita máquina, que funciona perfeitamente.

Foi com essa máquina também que...
... ganhei uns trocados traduzindo, a pedido do Ernani (o mesmo que, lá em Aparecida, havia me convidado para fazer parte do grupo de cinema), um texto em francês. Hesitei um pouco mas traduzi, com um dicionário do lado. O texto apresentava dicas práticas de como dar conselhos no confessionário, principalmente nos problemas, digamos, mais cabeludos. Era um pequeno curso prático de pastoral da confissão.

Por falar em dinheiro


Foi em 1962 que escrevi o documento sobre “Cineclubismo e Cineforum” que já foi publicado no site dos Ex-Sic. E vendi 200 exemplares do documento. Nem me lembro bem como é que eu divulguei. Acontece que, à época, havia um Cineclube muito atuante em Porto Alegre... E eu estive em Porto Alegre ... (assunto para mais adiante). Não sei como, só sei que vendi bem. Mas mereci. Datilografei tudo em Stencil, comprei um montão de folhas, eu mesmo reproduzi no mimeógrafo com alguma ajuda de colegas, montei e grampeei todas as 200 cópias, e despachei. E recebi meu primeiro cheque. Quanto foi? Não tenho a mínima idéia. A única coisa que não fiz foram as ilustrações, feitas pelo meu amigo Jamil (do qual já falei no Seminário 1, Sorocaba).
Observação: modéstia às favas. Há um exemplar desse documento na Cinemateca Brasileira.

O Cineclube Pio XI


Não sei se fui eu que criei ou já existia. Acho que fui eu porque no documento citado eu ensino como abrir um Cineclube. Pois bem, passei a programar os filmes do Seminário. Ia até a cidade, ia até os distribuidores e lá alugava filmes de 16 milímetros, dentro dos conceitos de cinema bom à época: cinema italiano, cinema francês, Hitchcock. Mas também programei sessões especiais de filmes clássicos, tipo, “Das Kabinet das Doctor Caligari”(1918), “Scarface”(1932). E todas as sessões eram precedidas de introduções em murais ou ao vivo e a cores. E, depois, seguidas de debates, para quem queria. Acho que fui um bom presidente de cineclube, ou até bom demais porque mais adiante ...
(Parênteses: acho que foi o Domingos Jorge Velho, também conhecido como “Onça”, que me introduziu no mundo do cinema. Nas férias, em Amparo, nós tínhamos que pedir autorização para o Mons. Lisboa para assistir filmes. E até que ele era permitia com facilidade. E o Onça, muitas vezes, fazia eu pedir a licença. E um filme que me marcou foi o primeiro Hitchcock que assisti: “O Homem que sabia demais”. Acho que o Onça me alertou para a importância do Hitchcock, o suspense. Acho que nasceu aí meu interesse pelo cinema.)


E havia os filmes dos Consulados


Consulado da França (“Le balon rouge”, “L’écharpe”), da Suécia, do Canadá (filmes experimentais, desenhados direto na película), lembro de um filme sobre as mãos, talvez do Consulado da Romênia. Agora, quem extrapolou mesmo foi um alemão meio maluco (dava espetáculos deitando sobre pedaços de vidro) que trouxe muitos filmes do Consulado Alemão sobre fábulas representadas por atores (Branca de Neve e outros). Havia até uma salinha escura perto do campo de futebol que permitia a exibição de filmes durante o dia. Para todos os gostos.

O massagista cego e minha mão direita


Acho que, de esportes, eu só praticava o basquete. O campo era de terra e criava muito limbo. Um belo dia levei um escorregão e apoiei o corpo na queda com a mão direita. Resultado: perdi totalmente a força nessa mão. Achei que tinha quebrado. Alguém sugeriu que eu procurasse um massagista cego ali do lado, no Instituto Padre Chico. Fui e ele me recebeu muito bem, apalpou, nada estava quebrado. Em algumas poucas sessões ele colocou tudo no lugar.

“Fossam fodit et escavavit sed incidit in foveam quam fecit”


Leia essa expressão latina em voz alta e sinta a força da expressão. Sem saber latim, dá para perceber a semelhança de umas palavras com expressões “chulas” em português (embora, hoje em dia, palavras “chulas” são usadas tranquilamente por nós em conversas caseiras, se não em público). Vamos devagar:
 Tradução literal: (O cara) abriu um buraco e escavou, mas caiu no buraco que ele próprio fez.
 Tradução livre: O cara sifu. Ou, o cara fez uma armadilha (uma arapuca) para outra pessoa cair, mas caiu na armadilha que ele próprio criou.
 Origem da expressão: algum salmo que a gente recitava na capela em alguma das “horas canônicas”. Me lembro que, pela manhã, a gente recitava a “Prima”, aos domingos à tarde recitávamos a “Véspera”, à noite recitávamos a “Noa?”. Práticas conventuais para seminaristas que deviam se tornar paroquiais, pastores. E havia a obrigação de rezar o “Breviário” todo dia. Eu tive meu breviário, após a Tonsura. Algum padre ainda reza o “Breviário”?


“Brasil Urgente”


Um jornal tipo tablóide. Incendiário. Reformista. Era 1963, pré-golpe. Cheguei a assinar e guardei por uns tempos. Vejam as capas do jornal.

Na internet, achei alguns artigos sobre o jornal, inclusive esta imagem, capa de um livro sobre o assunto. Sei agora que nasceu nos movimentos liderados pelos frades dominicanos, em especial o Fr. Carlos Josaphat e o Fr. Libânio, que, após o golpe, foram perseguidos e presos, com outros frades. O Pe. Ferraro foi aluno do Carlos Josaphat, na Suiça.


Representei os colegas do Ipiranga, em duas ocasiões.


Não sei bem se me ofereci ou se fui escolhido, mas é verdade.
 Houve um encontro nacional de seminaristas maiores em Santa Maria, Rio grande do Sul, e lá fui eu. Lembro-me que houve palestra, depoimentos e apresentação de peças teatrais. Lembro-me bem de uma delas:”A amizade está no fundo do poço”. E a sensação de ter tomado leite com chá, no café da manhã, receita muito boa para um frio danado.
 E, por mera coincidência, nas mesmas datas, houve um Congresso Nacional de Cinema em Porto Alegre. Fui dar uma espiada no Congresso (ou será que fui divulgar minha apostila?). Bem, me hospedei no Seminário de Viamão, um imenso seminário dentro de uma chácara, aprendi o que é Bergamota, saboreei um vinho caseiro espetacular num seminário dos capuchinhos.
 No ano seguinte, 1962, fui representar os colegas no encontro nacional dos seminaristas maiores em Brodosqui, terra do Cândido Portinari. O encontro foi presidido e apoiado pelo Bispo de Ribeirão Preto, Dom Mousinho. Cabeça aberta. Cabeça de Vaticano II. Era um florescer de idéias sobre uma igreja que parecia se abrir ao mundo.

Lembranças das aulas


 Aprendi, com um padre italiano que em certos momentos chegava a “bestemiar”, que a igreja católica, se na época tinha lá seus defeitos e pecados, tinha sido muito pior na Idade Média. Ele despejava um monte de barbaridades que se perpretavam nos conventos e adjacências, nas universidades. Não me lembro o nome. (acho que a matéria dele era a tradição, os testemunhos dos santos padres, por exemplo, São Jerônimo e companhia)

 Do padre que ensinava Cristologia (puxa, aquele cara alto, boa pinta) que filosoficamente a reencarnação única ou múltipla é errada porque nós não somos um composto de alma+corpo, não, somos uma pessoa, e, como tal, algo indissociável. Quando morremos, é a pessoa que morre. E a alma, pra onde vai? Deixemos pra Deus resolver no final dos tempos, na nossa ressurreição gloriosa. A idéia de que há um depósito de almas esperando um corpo nascer para entrar nele não tem cabimento.

 Havia 2 padres que ensinavam sobre as Escrituras Sagradas. Um era baixinho e vermelho como um pimentão (vermelho, claro). Nome? O outro era o Pe. Chivinsky, polonês. PORÉM fico embasbacado como não ouvi eles falarem de novos conhecimentos a respeito das escrituras, já em andamento há um bom tempo na Europa. Por exemplo, só mais tarde vim a saber que a duplicidade da criação do homem no Gênesis (você já reparou, ou ainda não?) se deve a duas tradições orais, Javista e Elohista. Na criação em sete dias, Deus é chamado de “aquele que é – Javé”. Na história do paraíso Deus é chamado de Elohim, “o senhor”. E os Manuscritos de Qumram que foram descoberto mais ou menos por volta de 1947???

 E havia o cearense, que lecionava Teologia Moral. Fazia grandes digressões fiilosóficas nas aulas e era difícil de acompanhar. Diziam que era tão distraído que certo dia, ao tomar o elevador no 1º. Andar de um prédio, caiu no poço porque a porta abriu e o elevador não estava lá.

Fui locutor no jornal falado, a convite do Gastão Ferragut


Havia um pequeno estúdio de gravação. E o Gastão produzia um jornal falado toda semana. O jornal era apresentado aos colegas no horário do almoço. O jornal começava com os acordes iniciais da canção “Engenho Novo” gravado por Inezita Barroso. Daí entrava o locutor com as notícias mais quentes da semana. Mas o Gastão não gostava muito do meu desempenho pois minha fala é muito monocórdica ou monotônica. Foi por pouco tempo.

1962 – Copa do Mundo – Fui assistir um jogo “ao vivo”


É difícil acreditar no que fui assistir, em plena Praça da Sé, em São Paulo. Ainda não havia transmissão direta e nem vídeo-tape. Aí inventaram um grande painel, cheio de luzinhas vermelhas, como se fosse um campo de futebol. Aí um cidadão ia acionando as luzinhas acompanhando a transmissão radiofônica do famoso Pedro Luís. E o locutor, já ciente desse artefato, caprichava nas descrições do tipo “o enterforward atravessa o meio do campo, inclina-se para a direita e passa para o ponta, que corre em direção à linha de fundo e cruza para a área ...”. Uma fala cheia de dicas para o acionador das lâmpadas poder localizar os jogadores. Assisti uma meia hora e desisti.

Chegando ao final da história – fui considerado persona non grata‟


Fomos para as merecidas férias. Recebo telefonema de Campinas: “Mons. Bruno que falar com você”. Me mostrou uma carta que significava minha expulsão do Seminário do Ipiranga. Por quais razões. Não me lembro, mas acho que posso apontar duas:

 Cinéfilo demais, sem vocação.
 Uma Carta que (acho) foi enviada à Comissão de Bispos que auditava o Seminário do Ipiranga com sugestões de mudanças. E eu não fui o cabeça da iniciativa. Lembro que o Claudinê chegou para mim e falou do movimento e se eu poderia contribuir, acho que com a redação final, nem me lembro direito. E colaborei, claro. E acho que levei a fama.
Tenho dito.