Amigos
curiosos, enxeridos, “ispeculas de rodinha” (expressão usada por
minha família), assim como filhos e parentes, sempre me infernaram
com essa pergunta. Deixei-os sempre a ver navios. Mas ora resolvi
levantar um pouco o véu ... em cenas rápidas.
Cena 1
– O pensador
Noite.
Sábado ou domingo. Maio ou junho. Ano? Mais de onze horas. Final de
quermesse. O alto-falante lançava “ ... eu sou a luz das estrelas
... o início, o fim e o meio ...” (Raul Seixas – Gita). Sentado
num degrau da escadaria da Capela São José do Jardim São Vicente
estava um não tão jovem e nem tão velho, apesar da basta cabeleira
quase toda branca. Estava só. Parecia pensar com os botões (dele).
Pensando o que, em que? “A Marlene está me tentando, se
insinuando, mas eu não quero saber, sou padre e quero continuar
sendo... toda vez que dou carona para um grupo ela se adianta e faz
questão de sentar ao lado do motorista. Além disso dá palpites
sobre minha roupa, me leva a almoçar na casa de amigos, como fez no
almoço na casa da “Tia” Maria e do Negão. É ou não é uma
provocação! O que ela está querendo?”
{Momento
de cultura inútil: a palavra Gita do título da música parece,
segundo os entendidos, ter sido inspirado no “Bhagavad-Gita” (O
Canto de Deus), um dos livros principais da Religião Induísta. O
Raul Seixas (ou seria Paulo Coelho?) teria lido esse livro e se inspirou nele para escrever a
letra da música. ‘Si non é vero, c’é bene trovato’}
Entre
cenas: nessa época, em meio a uma vida conturbada (paroquiava, dava
aulas, fazia mestrado na PUCSP) os pensamentos giravam e ferviam na
cabeça. Paixão, esse é nome. Tinha me apaixonado. E agora?
Cena 2
– A capitulação
Noite. No
interior do fusca (talvez fosse o azul cobalto, lindo, ou o fuscão
72), de noite, em frente à casa da “Tia” Lourdes. Marlene, Dulce
Helena e eu. Me rendi à tentação. Pedi em namoro (é assim que se
fala?). Quais foram as palavras? Deletadas da memória. Entramos.
Tomamos café. Um ar constrangedor. Marlene constrangida. Não
imaginava isso ser possível (disse ela certo dia).
Cenas
dos Anúncios: 1, 2, 3, 4 e 5 – ano mais provável: 1975
- Família (minha): Amparo, durante o almoço. Silêncio, garfos parados em direção à boca. Só a mãe: “e quem é ela?”. “A Marlene, aquela que veio almoçar aqui num domingo”, teria dito eu. “Aquela negra?”. Senti certo desapontamento. (Depois, a Marlene conquistou todo mundo, hoje não há um mínimo de resquício dessa rejeição mínima)
- Conselho Paroquial: reunião com os representantes da comunidade. Não há grande susto. Muito nervoso. Fumei desbragadamente. “Acham que eu poderia continuar como padre mesmo namorando”? “Sim”.
- Aos colegas padres Malvestiti, Lota, Ferraro: sem reação aparente. Colocado um desafio ao Malvestiti: “Dá pra perguntar pro bispo se poderia continuar como padre mesmo namorando?”. Eu, inocente no desafio. Ele, inocente, foi perguntar ao bispo. Dom Antonio Siqueira, um verdadeiro príncipe da Igreja. Resposta óbvia.
- Na missa dominical. Final da missa. “Estou comunicando que vou parar de rezar missas e porque vou começar a namorar a Marlene. Nas próximas missas estarei presente participando como todos vocês. Se o bispo permitir, poderei retornar às missas.”
- Claudinê Pessoto: “VOCÊ CHUTOU 3 PAUS DA BARRACA” (deixar o sacerdócio, casar com uma pessoa mais pobre que você e negra)
{Consequências:
com os anúncios, me sentia um estrangeiro na casa onde morava, a
casa paroquial do Cura D’Ars, perdi as aulas na PUCCamp. Mas 1976
começou bem. Fui convidado para professor assistente na Unicamp.
Quando isso não deu certo, recebo telefonema do Francisco Aparecido
Cordão, ex-seminarista e colega do curso de Pedagogia, para
ingressar no SENAC. E aí começou outra história. Mas, voltando “à
vaca fria” ...}
Namoro
fase 1 – “Mão na mão ... “
+ No
carro, à noite, em frente à casa da Marlene, depois de ir buscá-la
no Colégio Pio XII onde fazia o colegial. + No carro, à noite, numa
lanchonete em frente ao campo do Guarani. + Na casa da “Tia”
Maria e do Negão, nossa morada provisória nos finais de semana e
onde disputávamos partidas de buraco, contando às vezes com a
presença do Divino e da Lucinha. + Na casa dos enamorados Faur e
Keka, (ela, a “turca” de verdade e ele o falso “turco”), onde
comíamos galinha ao molho pardo e jogávamos canastra. + Nas
reuniões dos ex-padres.
{Na
fase de quase-namoro, organizei um passeio no dia 15 de novembro de
1974, eleições para Deputa dos e Senadores. Convidei o Divino para
irmos de carro a São Paulo, para votar, e depois desceríamos para
Itanhaém. Nós, mais a Marlene, a Lucinha e a Dulce Helena. Elas
votaram em Campinas e lá fomos nós. Votamos perto do Ipiranga. Era
meio-dia. Sugeri: antes de seguir para Itanhaém, vamos comprar aí
um pão pullman e frios para um lanchinho, se houvesse necessidade.
Dito e feito. Saímos de São Paulo e o trânsito parou no km. 25 da
Via Anchieta, em frente à fábrica da Volks. Demoramos 9 horas para
chegar em Itanhaém. ISSO EM 1974!!!}
{Momento
de cultura inútil: nessa eleição o PMDB elegeu uma bancada de
deputados e senadores muito maior do que a Arena, partido governista.
Conclusão: o governo militar dissolveu o congresso anos depois e
colocou óbices para conseguir a maioria no congresso e continuar
simulando democracia}
Namoro
fase 2 – “Mão na mão ... mão na coisa ... “
+ No
carro, à noite, em frente à casa da Marlene. O primeiro beijo
boca-a-boca. Confesso que senti certo nojo ao sentir uma saliva
estranha e o batom nos lábios (Mas, como dizia minha mãe, citando a
mãe dela, “cutuma”, e nos acostumamos). E aos toques. + E também
num passeio a Itanhaém, só nós dois. + E em Ubatuba depois que
entrei no Senac em Taubaté. E assim foi até ...
Namoro
fase 3 – “Mão na mão ... mão na coisa ... coisa na coisa“ -
Bem, só depois do casamento (mesmo) ocorrido em
maio de 1977. Curioso!? Vamos parar por aí ...
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